domingo, 19 de julho de 2009

'O CÃO É O ESPELHO DO DONO

Das pinturas rupestres aos ratos e cachorros antropomórficos de Walt Disney, os animais são vistos com um misto de estranhamento e familiaridade. Nas fábulas mais tradicionais, são espelhos das qualidades e defeitos morais do homem. Mas a literatura também já os representou como forças indomáveis e irredutíveis da natureza (veja quadro). No século XIX, a teoria da evolução de Darwin desbancou o homem do ápice da criação para reposicioná-lo como apenas mais um dos animais moldados pela seleção natural. Essa revisão tem implicações éticas radicais. O filósofo australiano Peter Singer defende a igualdade plena de direitos entre homens e animais. Para ele, o "especismo" - a ideia de que os humanos são superiores aos demais seres - é uma forma de discriminação tão insustentável quanto o racismo. De certo modo, gatos e cachorros já galgaram um lugar privilegiado nas considerações morais das pessoas. A morte de um bicho querido começa a ser cercada de cerimônia: o Pet Memorial, cemitério de animais na Grande São Paulo, realiza em média trinta velórios e 200 cremações por mês, com custos que vão de 700 a 2 000 reais. Para muitos, a perda de um animal leva a uma situação de luto tão difícil de superar quanto a morte de um parente ou amigo.
O Brasil tem 32 milhões de cães e 16 milhões de gatos, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Alimentos para Animais de Estimação, a Anfal Pet. Acredita-se que seja a segunda maior população desses bichos no planeta, inferior apenas à existente nos Estados Unidos. Em 2008, esses animais devoraram 1,8 milhão de toneladas de ração: 1,6 milhão de comida para cães e 200 000 toneladas de ração felina. Ainda segundo a Anfal Pet, existem cerca de 40 000 pet shops espalhadas pelo país. Em proporção à população de cães e gatos, esse número é um assombro. Significa que há um desses estabelecimentos para cada 1 200 bichos - contra uma farmácia para cada 2 600 pessoas no Brasil. Os donos mais afetivos são cada vez mais numerosos, no Brasil e no mundo. Em Nova York ou Paris, é comum ver senhoras empurrando seus cães em carrinhos, como bebês. Nos Estados Unidos, ainda, acaba de entrar em atividade a Pet Airways, companhia de viagens aéreas para bichos. No Brasil, o mercado de produtos e serviços para animais de estimação movimenta 9 bilhões de reais por ano.
A Radar Pet - uma pesquisa recém-concluída com 1 307 pessoas de oito metrópoles, idealizada por uma entidade do setor, a Comissão Animais de Companhia (Comac) - fornece uma visão da intimidade dos brasileiros com seus cães e gatos. Eles estão presentes em 44% dos lares das classes A, B e C - e em lugares como Porto Alegre, Curitiba e Campinas já figuram em mais de metade das casas. O novo status que cães e gatos estão assumindo nos lares tem pelo menos duas razões sociais distintas. A primeira diz respeito ao encolhimento das famílias. Hoje são raros os casais que optam por ter mais de um ou dois filhos - o terceiro, que costuma desembarcar em casa quando esses já estão mais crescidos, é quase sempre um cão ou gato. Como demonstra o Radar Pet, as famílias em que os filhos adolescentes ou adultos ainda moram com os pais são aquelas em que a presença dos bichos é mais forte. O segundo fator é o crescimento do contingente de pessoas que vivem sozinhas nas grandes cidades e buscam um companheiro animal. Cães e gatos têm chances menores de obter abrigo nos lares formados por casais com filhos pequenos. "Nessa fase, as crianças monopolizam as atenções. Não sobra tempo para os animais", diz o executivo Luiz Luccas, presidente da Comac.

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